Por Almir Zarfeg

 

A cidade de Itanhém testemunhou, no mês de agosto de 2022, um acontecimento histórico duplo: o Jubileu de ouro da inauguração da Escola Polivalente e da celebração da formatura de Jandira Rodrigues de Souza em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Os dois fatos aconteceram originalmente em 1972. Há 50 anos em plena ditadura militar.

 

Esse meio século da Escola Polivalente de Itanhém foi rememorado num artigo de nossa autoria e, também, muma pintura do artista plástico Políbio José. Já os 50 anos da formatura da turma de bacharéis em direito pela UFMG se deram no auditório da OAB/Minas Gerais, em Belo Horizonte. A turma de bacharéis em direito pela Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG) – também de 1972 – foi homenageada na ocasião.

 

Por tudo que representou para a comunidade estudantil, a Escola Polivalente já faz parte da história de Itanhém. Voltemos nossa atenção à advogada Jandira Rodrigues de Souza, itanheense da gema e pertencente a uma das famílias mais tradicionais, a Souza, conhecida também como “Família Pedra”.

 

A dra. Jandira é filha do saudoso casal Adelino José de Souza e Ana Rodrigues de Souza, tendo como avós paternos José Bernardino de Souza e Antônia Generosa da Silva. Em vida, o avô paterno foi o bem-sucedido produtor rural “Zé da Pedra”. Já o pai, Adelino, compôs a Câmara Municipal na legislatura de 1967/1970, ao lado de nomes como Gedeon Botelho, Dolírio Rodrigues e Cristóvão Pereira de Souza, no retorno de Sady Teixeira Lisboa ao comando da municipalidade.

 

 

Nascida em 29 de dezembro de 1947 (atualmente com 74 anos), Jandira cursou os anos iniciais na Escola Stella Matutina em Nanuque/MG, deu continuidade aos estudos no Colégio São Franscisco em Teófilo Otoni/MG e, por fim, frequantou o pré-vestibular no Champagnat, na capital mineira, antes de prestar o vestibular para direito na UFMG.

 

Ela iniciou o curso de direito em 1968 e teve como colega de turma o agora saudoso poeta Adão Ventura. No 4º ano do curso, fez uma prova e foi admitida no Departamento de Assistêntia (DAT) da Faculdade de Direito. Por sua dedicação e brilhantismo, ganhou da Reitoria uma bolsa de ajuda de custo para o estágio. Assim que concluiu o curso em 1972, prestou o exame da OAB/Minas e obteve êxito. De volta à terra natal, solicitou a transferência para a OAB/BA, em 1974, ficando com a inscrição de nº 49-B. Já advogando em Itanhém, sua vida tomaria novos rumos e enfrentaria muitos desafios, não só como profissional da advocacia, mas também como cidadã num momento conturbado vivenciado pelos brasileiros.

 

Nas últimas cinco décadas, a dra. Jandira representou uma infinidade de clientes nas varas cível, criminal, trabalhista e de família não só na comarca de Itanhém, como em outras comarcas da região. Ainda teve que recorrer ao Tribunal de Justiça, na capital, para fazer valer o direito dos menos favorecidos ou injustiçados. Contam-se muitos casos de pessoas que foram representadas pela advogada, muitas das quais não podiam arcar com os honorários advogatícios numa época em que inexistia a defensoria pública.

 

Quem conhece a vida simples da advogada em questão, desprovida de ostentação ou luxo, sabe que ela praticou uma advocacia popular que, atualmente, pode ser vista como as chamadas ações humanitárias ou responsabilidades sociais. Em vez de escritório chique, ainda atende as pessoas na própria sala de estar. Ela orienta as pessoas e, ao mesmo tempo, as estimula em suas demandas por justiça e/ou dias melhores.

 

Claro que alguém tão empática com o sofrimento humano não iria se calar diante das injustiças e do arbítrio, vindos da iniciativa privada ou das instituições públicas. Assim, durante as eleições municipais de 1976, a ilustre advogada e um grupo de insatisfeitos com a situação política resolveram dizer não àquele estado de coisas.

 

 

Em Itanhém, as disputas eleitorais se davam sob o guarda-chuva de um único partido – Aliança Renovadora Nacional (ARENA) –, legenda dos golpistas militares. Um expediente muito comum era a figura da “sublegenda”. A saber, dois grupos supostamente adversários disputavam as eleições afiliados ao mesmo partido. Daí serem comuns expressões como “candidato da Arena 1” ou “candidato da Arena 2”. Em convenção realizada no Clube Social de Itanhém, ficou decidido que o candidato da Arena 1 seria Eloino Moreira Lisboa, mas a sublegenda foi negada ao candidato da Arena 2 – o oposicionista Edgar Assunção. Claro que a sessão virou um quebra-quebra.

 

Contra esse modelo antidemocrático e opressor que a dra. Jandira e seus aliados resolvem se insurgir, articulando a fundação do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) em solo itanheense. O partido – criado em 1966 e que reúnia os opositores ao regime militar e que seria extinto pelo presidente-general João Figueiredo em 1978 – já havia sido fundado na cidade vizinha de Medeiros Neto. Em Itanhém a legenda contou com o apoio de nomes importantes, como José Henrique dos Reis, Leopoldino Freitas e Antero Santana em torno das eleições municipais disputadas pelo candidato da situação (Eloino Moreira Lisboa) e pelo da oposição (Edmo Afonso Leles dos Santos). Ao fim da disputa eleitoral mais acirrada da história de Itanhém, o candidato da oposição sagrou-se vitorioso.

 

A vitória de Edinho Afonso significou o fim da hegemonia política de Sady Teixeira Lisboa e, ao mesmo tempo, sacramentou a ascensão de Gedeon Botelho Ferreira como grande liderança local. E jovem Jandira Rodrigues, de uma forma ou de outra, teve participação decisiva nisso.

 

Decana da classe dos advogados na região – sobretudo do segmento feminino –, Jandira Rodrigues de Souza segue com sua vida simples, sem luxo, residindo na mesma casa de sempre. Casa de herdeiros, como ela custuma dizer, mas com a consciência tranquila de quem combateu o bom combate e guardou a fé na justiça humana e divina.

 

Em 2018, durante o 60º aniversário da emancipação política de Itanhém, ela foi homenageada como uma das 60 personalidades mais relevantes da história itanheense. Uma iniciativa da Academia Teixeirense de Letras e do portal Água Preta News, com o apoio do Café Ticiana. Homenagem merecida.

 

……………………………………………………….

 

Almir Zarfeg, poeta e jornalista baiano, é presidente de honra da Academia Teixeirense de Letras (ATL)

Últimas