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Almir Zarfeg comenta “O mercador de livros”, obra mais recente de Roberto Martins

Publicado em: 10/04/2023 Atualizado:: abril 10, 2023

Carlos Mensitieri, Elias Botelho, Zarfeg, Roberto Martins e Sumário durante FLITE

 

Acabei de ler “O mercador de livros”, publicação mais recente do jornalista e escritor Roberto R. Martins (Arquimedes Edições, 2022) e que me foi presenteada por Bruno Costa na sessão solene da Academia Teixeirense de Letras – nossa ATL – realizada no final de março. Não pretendia comentar o livro, mas resolvi fazê-lo.

 

Antes de falar das minhas impressões sobre a obra, porém, preciso dizer duas palavras. Quem primeiro me deu notícias acerca de Roberto Martins foi o romancista e confrade Elias Botelho. Nosso contato presencial se daria durante a realização da 1ª Festa Literária de Eunápolis (FLITE) em julho de 2022. Depois, por conta própria, comecei a me informar sobre o intelectual de esquerda, o autor de livros de ficção e, sobretudo, de história – com H maiúsculo. Roberto é, seguramente, a maior autoridade sobre a antiga Capitania Hereditária de Porto Seguro, tema ignorado por todos, mas que vale muito a pena ser conhecido, como demonstrou o próprio no livro “Porto Seguro: história de uma esquecida capitania”. Pois é, algumas capitanias – como a de Porto – deram certo.

 

Até meados do século XVIII, Alcobaça pertenceu a Caravelas, que, por sua vez, fazia parte do vasto território da Capitania de Porto Seguro. (Aliás, pouca gente sabe que, durante um curto período, o município de Minas Novas e todo o nordeste mineiro pertenceram a Porto Seguro.) Já Itanhém, minha cidade natal, pertenceu a Alcobaça até 14 de agosto de 1958, quando se emancipou e, de quebra, ganhou dois novos distritos – Batinga e Ibirajá. Este era mais conhecido como “Jaquetô”, que no capítulo VIII de “O mercador de livros” é definido como um “povoado mais ao sul, onde tinham se acoitado muitos pistoleiros oriundos do Espírito Santo”. Continua a narrativa: “era uma espécie de terra de ninguém, em que o pau de fogo mandava e desmandava”.

 

Como pretendemos fundar e instalar o Instituto Histórico e Geográfico do Itanhém (IHGI), a produção literária e histórica de Roberto está nos sendo de grande valia. Isso vale também para os escritos de Luís dos Santos Vilhena, Luiz Mott, José de Almeida Oliveira e, sobretudo, Fábio Medeiros Said, autor da imprescindível “História de Alcobaça-Bahia (1772-1958) ”.

 

Passemos, agora, a “O mercador de livros”, que narra a saga de Almasor, que no leite de morte de seu pai, Mustafá, se compromete solenemente a amar os livros e, mais que isso, adquirir cinco mil metros deles. Assim a bibliofilia do protagonista começa na terra dos coronéis do cacau, Itabuna, no sul baiano, e tem seguimento em Eunápolis, cidade localizada no extremo sul baiano, mais precisamente na chamada Costa do Descobrimento.

 

Em Eunápolis, então maior povoado do mundo, Almasor tenta se dar bem na vida e nos negócios com as bênçãos de Alá e tirando vantagem das coisas e situações. Em vez de seguir a profissão do saudoso Mustafá, que era mercador ou mascate, o bibliófilo se envolve com a extração de madeira de lei, como o jacarandá, tornando-se cortador, atravessador e, por fim, empresário do ramo madeireiro. Oportunista de mão cheia, ele firma parcerias com os indígenas locais, faz acordos com grandes madeireiros e, assim, ganha muito dinheiro. Quando o negócio da madeira deixa de ser lucrativo, ele diversifica as atividades, passando da madeira à criação de boi e desta à cultura do cacau. Enfim, Almasor se transforma em alguém bem-sucedido, com reputação insuspeita, inclusive virando referência por causa do amor pelos livros…

 

Essa bibliofilia se popularizou porque o casarão em que o protagonista vive com a mulher Pafúncia, os filhos Livrônio, Leiturino, Livraria e os gêmeos Livronildo e Livronilda, nessa ordem, e atraiu a atenção de todos pela imponência e, também, pelo monumento em tributo ao livro, construído à frente, como cartão de visita.

 

Esses detalhes da vida do protagonista são revelados durante as longas conversas que ele mantém com um vendedor de livros recém-chegado à cidade, um tal de George, que fica impressionado não somente com as histórias do anfitrião, mas também do comprador de livros potencial que acabara de conhecer no interior baiano. Um encontro perfeito para ambos, porque George terá em Almasor o cliente dos sonhos.

 

Almir Zarfeg exibindo exemplar de “O mercador de livros”

 

O que chama atenção na bibliofilia do senhor Almasor é que, além de amar os livros, ele investe quantias consideráveis na aquisição de publicações e, sempre que tem oportunidade, sai em defesa do conhecimento impresso. Mas, pessoalmente, está longe de ser um intelectual ou algo parecido. Na verdade, por não ter tido qualquer formação sistemática, se expressa de maneira rudimentar, quase grosseira.

 

Ainda assim – e notamos nas entrelinhas um Roberto Martins bem irônico –, Almasor é convidado a fazer parte da Academia de Letras de Eunápolis. De início, ele declina do convite, mas é convencido a aceitar, até porque, se não foi capaz de escrever um livro, é o único que possui uma biblioteca de grandes dimensões, o que constitui motivo de orgulho para todos. Mesmo com os dois filhos mais velhos – Livrônio e Leiturino – criticando duramente a mania do pai pelos livros, o velho insiste naquela obsessão romântica, quase quixotesca.

 

Com este “O mercador de livros”, portanto, Roberto Martins se firma como um contador de histórias. Graças à sua curiosidade jornalística e habilidade de historiador, a narrativa se apresenta multifacetada e envolvente, de modo que os leitores não têm outra saída senão se entregar à leitura, divertindo-se, informando sobre a região e, especialmente, conhecendo os tipos humanos e os elementos culturais que fizeram com que o extremo sul da Bahia – palco do descobrimento do Brasil – continue sendo cenário de muitas belezas, equívocos e resistências, sobretudo resistências.

 

A história de Almasor – muito bem tecida e amarrada por Roberto – só poderia ter acontecido aqui no extremo sul da Bahia, terra mater do Brasil, onde um descendente de árabe consegue ficar milionário e, por incrível que pareça, ganhar fama de bibliófilo. O que nos alivia, ao fim e ao cabo, é saber que essa fama surgiu de um atrito na comunicação entre pai e filho… Mais não posso dizer, apenas desejar boa leitura.

 

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Redação – Jinoticias


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