Publicado em: 08/09/2023 Atualizado:: setembro 8, 2023
Por Almir Zarfeg
Assim que li e resenhei o novo livro de poemas de Jorge Ventura – “Outras Urbanas” (Ventura Editora, 2023) –, manifestei o desejo de retomar o belo/trágico texto “De todos os jogos o jogo”, o que faço neste feriado de 7 de setembro, um dia após receber quatro exemplares da obra em questão autografados pelo autor para mim, Arolda Figuerêdo, Enelita Freitas e Raimundo Magalhães. (O confrade Erivan Santana havia me emprestado o exemplar dele, também autografado, para que eu pudesse ler e resenhar.)
Pois bem, passemos em revista “De todos os jogos o jogo”, incluso na 3ª parte de “Outras Urbanas”, a saber, “As Ruas”. (Poema impresso em tipos brancos – Franklin Gothic Book – sobre um fundo negro, o que dá visibilidade ao texto e imprime dramaticidade à leitura.)
O poeta apresenta dois jogos ao mesmo tempo: um jogo de futebol e o outro jogo da vida, explicitando os espaços em que as ações se desenrolam concomitantemente: o estádio e a obra de construção.
Nesse momento, o autor introduz um terceiro elemento na narrativa e, ao fazê-lo, estabelece uma tensão semântica: “massa”. A massa que “empurrava o time aguerrido” e a massa que “cobria a parede inconclusa”.
A terceira estrofe do poema é formada por um único verso: “que finta! que ginga!”, o qual diz respeito ao time de futebol, uma vez que tais expressões fazem parte do repertório do esporte mais popular do país e, talvez, do mundo.
Na quarta estrofe, porém, o narrador saca de dois versos impactantes, sendo um dos quais (o primeiro) utilizado para nomear o poema: “De todos os jogos o jogo: / a (des) construção”.
A estrofe seguinte – a quinta – completa o sentido do que foi anunciado antes com dois versos em forma de diálogos: “falta! – marcou o juiz / falta – bradou o peão”.
Para mim, não resta dúvida de que, ao introduzir a palavra “desconstrução” – ou melhor “(des)construção” –, o poeta pretendeu não apenas explorar semanticamente a palavra “falta” (infração cometida por um jogador ou ausência de parte da parede da obra), mas, sobretudo, anunciar o jogo dos jogos: o jogo da vida, qual seja, a luta pela sobrevivência.
Aqui os leitores mais atentos vão se lembrar de autores que também refletiram sobre o ato de construir e suas consequências sociais ou estéticas, especialmente em poemas e/ou letras de canções e, portanto, me ocorrem os nomes de Carlos Drummond (com “Construção”), Bertolt Brecht (com “Perguntas de um operário letrado”), Vinicius de Moraes (com “O operário em construção”) e Chico Buarque (com “Construção”).
No caso de Jorge Ventura, chama a atenção o fato de ele lançar mão de “(des) construção” (prefixo + nome) e, ao fazê-lo, expandir o significado do substantivo construtivo que, doravante, passa a significar tanto construção (algo positivo) como desconstrução (algo negativo). Enfim, uma estratégia simples, mas muito eficiente do ponto de vista poético-expressivo. Aliás, os bons poetas trabalham o significante a fim de valorizar o texto e, assim, sensibilizar o leitor.
Na sexta estrofe, as ações são intensificadas tanto no campo (com o chute) como no andaime (com o passo em falso), de maneira que suas consequências (previsíveis) vão aparecer nas estrofes a seguir: os gritos de gol e campeão ecoando pelos ares e rádios!; e o baque do corpo do operário indo de encontro ao chão!
A última estrofe – inscrita em dois versos muito poderosos – resume o espetáculo/tragédia com gosto de vitória e derrota: “óleo e sangue na sarjeta / hino às cores rubro-negras”.
Enfim, uma vez Flamengo, sempre Flamengo! Amou daquela vez como se fosse a última! Eis aí um belo tributo à (des) humanização.
Leia mais poemas de “Outras Urbanas” AQUI
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Almir Zarfeg – poeta, jornalista e ficcionista – é presidente de honra da Academia Teixeirense de Letras (ATL).