Publicado em: 19/07/2025 Atualizado:: julho 19, 2025
Outra opção avaliada pelo governo brasileiro é o aumento de tributação por alíquota adicional no Imposto de Renda de empresas — Foto: Roberto Moreyra/Agência O Globo
A equipe econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva considera a implementação de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) como a principal alternativa para a tributação das big techs. A ideia é aplicar um modelo de imposto sobre serviços digitais prestados pelas companhias. O avanço da medida, porém, depende do Palácio do Planalto.
A discussão sobre taxação das big techs estava congelada desde que Donald Trump assumiu a presidência dos Estados Unidos. As ações desse tipo voltaram ao radar do governo após Trump ameaçar aplicar tarifas de 50% sobre produtos brasileiros a partir de agosto e foram mencionadas em declarações do presidente Lula na quinta-feira em resposta ao tarifaço.
— O mundo tem que saber que esse país só é soberano porque o povo é soberano e tem orgulho desse país. Eu queria dizer para vocês que a gente vai julgar e cobrar imposto das empresas americanas digitais — disse Lula durante evento em Goiânia.
Entre as formas de aplicar o imposto sobre serviços digitais, a taxação via Cide é vista como a mais simples de se fazer no Brasil. A Constituição define que a União pode instituir uma intervenção no domínio econômico. Trata-se de tributo com caráter regulatório, não tem simplesmente viés arrecadatório, mas visa o regramento de um setor.
Além disso, é considerado um tributo de manejo mais fácil por parte do governo federal, pois a arrecadação e a aplicação de recursos estão vinculadas a um setor específico. Seria possível, por exemplo, estabelecer uma alíquota sobre a receita bruta das empresas, dividida por faixas de faturamento. Ou seja, um critério de definição de alíquota escalonado pelo faturamento da empresa.
Além de vantagens operacionais, o governo não precisará dividir o valor arrecadado com estados e municípios, como ocorre quando há aumento do Imposto de Renda ou Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A mais conhecida forma desse tributo é a Cide Combustíveis.
No caso da modelagem do imposto de big techs em estudo, o governo ainda precisa definir qual o escopo do domínio econômico que será considerado, se será uma Cide digital, por exemplo.
Inspiração internacional
O governo já mapeou propostas que preveem a Cide sobre serviços digitais para enviar ao Congresso Nacional, mas uma medida provisória (MP) também é considerada porque tem uma aplicação mais rápida. A legislação vai precisar dizer qual o fato gerador do tributo (estabelecendo quais serviços digitais serão abarcados e qual o tamanho do mercado a ser considerado).
Países como França, Canadá, Itália, Espanha e Áustria instituíram modelos de imposto sobre serviço digital, um Digital Service Tax, como alternativa para tributação das big techs. As medidas geraram retaliações por parte dos EUA. O governo canadense, por exemplo, decidiu suspender o imposto sobre serviços digitais no fim de junho visando à negociação de acordo comercial com os EUA.
O imposto canadense foi anunciado em 2020 para lidar com o fato de que muitas gigantes de tecnologia não pagavam impostos sobre as receitas geradas a partir dos canadenses, segundo nota do governo.
Na França o governo implementou um imposto de 3% sobre as receitas derivadas de serviços digitais, publicidade direcionada e vendas de dados de usuários. O modelo canadense também define alíquota de 3% sobre receitas de serviços digitais vindos de engajamento, venda e licenciamento de dados de usuários.
Opções no radar
Existem outras alternativas no radar do governo brasileiro, como aumento da tributação das companhias por alíquota adicional no Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) ou na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). São opções consideradas menos simples tecnicamente. Além disso, um adicional de IRPJ precisaria ser dividido com estados e municípios.
As big techs foram citadas na publicação em que Trump anunciou o tarifaço de 50% a partir de 1º de agosto. Além disso, são abordadas no relatório da investigação aberta pelo Escritório de Representante de Comércio (USTR).
O texto afirma que existem evidências que indicam que o Brasil adota políticas e práticas que podem prejudicar a competitividade de empresas americanas em comércio digital e serviços de pagamentos eletrônicos. E cita a decisão do Supremo Tribunal Federal que tornou as redes sociais responsáveis por publicações de usuários que causem danos a terceiros e não sejam removidas, mesmo na ausência de uma ordem judicial para remover o conteúdo.
Para Sydney Sanches, especialista em propriedade intelectual e vice-presidente do comitê jurídico da Confederação Internacional de Entidades de Autores (Cisac), a Cide é considerada a alternativa mais viável e rápida para colocar em prática.
— Talvez seja uma ferramenta interessante e não muito complicada para o governo implementar num primeiro momento, até porque pode ser feita com base na Lei da Reciprocidade — afirma, acrescentando que o mecanismo poderia ser adaptado posteriormente caso o governo busque tributar a remessa de ganhos ao exterior destas empresas.
No começo desta semana, Lula assinou o decreto que regulamenta a Lei de Reciprocidade, que abre caminho para a retaliação.
Já foi discutido internamente pelo governo, no ano passado, como saída para a tributação das companhias digitais recorrer ao Pilar 1 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) — proposta que visa reformar as regras da tributação internacional. A proposta, no entanto, não é simples, pois depende de acordo entre os membros do chamado “clube dos ricos”.
O Pilar 1 está previsto em uma iniciativa da OCDE com o G20, que reúne as maiores economias do mundo. O projeto prevê a tributação de serviços digitais, como big techs.
Regulação do Cade
O governo Lula tem dois projetos prontos sobre regulação — que não envolvem taxas: um do Ministério da Fazenda, e outro do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Ambos estão sob análise da Casa Civil, aguardando aval de Lula para serem propostos ao Congresso.
O projeto da Fazenda trata de regulação econômica e está voltada para a concorrência. A proposta da pasta de Fernando Haddad não inclui regras para conteúdo. A ideia é estabelecer regras adicionais para as gigantes do setor, sob comando do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que seria apontado como regulador das big techs.
Atualmente, o órgão de defesa da concorrência atua quando identifica algum caso que fere o equilíbrio dos mercados.
Fonte: Por Bernardo Lima e Carolina Nalin — OGlobo