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Leonardo de Magalhaens homenageia Charles Baudelaire e “canta” a capital mineira em “Spleen de BH”

Publicado em: 14/07/2022 Atualizado:: julho 14, 2022

Almir Zarfeg com exemplar de “Spleen de BH: Ásperas Flores”

 

Por Almir Zarfeg

 

O poeta Leonardo de Magalhaens acaba de publicar “Spleen de BH: Ásperas Flores” (Selo Starling, 2022), que é o nº 3 da coleção idealizada para celebrar os 200 anos do nascimento de Charles Baudelaire – Coleção Flores do Caos. Já foram publicados os volumes 1 “Súbitos desvarios”, de Hyanna da Cunha, e 2 “Frigus poética”, de Wellington Farias. Outros nove volumes serão publicados até 31 de outubro, Dia Nacional da Poesia.

 

O poeta mineiro se inspirou em “Le Spleen de Paris”, de Baudelaire, para homenagear o grande poeta francês, dialogando com os “Pequenos poemas em prosa” que o notável simbolista compôs no final da vida e foram editados postumamente. Ao mesmo tempo, para “cantar” a capital das Minas Gerais – Belo Horizonte.

 

Ao todo, são 50 poemas em prosa – uma novidade para aquela época. Os episódios – versando sobre a capital francesa e suas cenas e outros temas caros a Baudelaire, como a solidão e a quimera – se apresentam (in)formalmente como poemas em prosa e, também, como uma espécie de recorte da realidade. Enfim, um experimento estilístico inovador, desprovido de ritmo e rima, mas musical.

 

Leonardo não só recupera o “spleen” – um jeito de se sentir insatisfeito por conta própria – como também se inspira nos 50 textos curtos em questão, que são condensados em 13 episódios e que, em “Spleen de BH”, ganham versões adaptadas, mas mantêm uma ligação intertextual com a obra francesa. Ei-los: “A beleza”, “As mulheres”, “Os homens”, “As crianças”, “As ruas”, “O estado e o governo”, “A pandemia”, “Noites sem sono”, “Os sonhos”, “A loucura”, “Os poetas”, “O futuro” e “O fim do mundo”.

 

Leonardo de Magalhaens, autor de “Spleen de BH: Ásperas Flores”

 

De Magalhaens atualiza os fragmentos, transportando-os do final do século XIX para o início do século XXI, neste nosso tempo marcado pela crise econômica e social, pelo embate realidade vs. virtualidade, pela polarização ideológica e, obviamente, pela pandemia do novo coronavírus que, só no Brasil até o momento, ceifou a vida de 674 mil brasileiros, dos quais 62.415 mineiros.

 

Pois bem, é neste contexto que o poeta mineiro escreve “Spleen de BH”, descrevendo a capital infame com seus ocupantes marginalizados, sempre mantendo um link com a obra baudelairiana. Mas, em vez das pinceladas simbolistas aplicadas à Paris oitocentista, ele dedica à Belo Horizonte atual uma mistura de cinza e revolta, quer na condição filho, cidadão ou intérprete inspirado. E o faz através de poemas em prosa que estão mais para, digamos, crônicas, ensaios, artigos ou prosa poética.

 

No episódio “As ruas”, por exemplo, ele descreve uma BH que deixaria Baudelaire (e mesmo Drummond) entre decepcionado e saudoso dos bons e velhos tempos. BH não é uma megacity como SP, mas é uma mancha de ruas e casas, de prédios e praças, que se estende do sul ao norte, do Mangabeiras a Venda Nova, do leste ao oeste, do Esplanada aos limites de Contagem… Há muitas obras espalhadas pela cidade – obras superfaturadas – de políticos da situação e da oposição, de direita e de esquerda, de centro e de conveniência.

 

Beagá não é igual a Sampa, mas as pessoas andam e perambulam de olhos abertos, mulheres com seus decotes brilhantes, homens fardados mantendo as poses, mendigos se aquecendo sob as marquises. BH não tem as luzes, os bulevares e a história de Paris, mas tem mais angústia e saudade. BH possui, sobretudo, uma Rua da Bahia para chamar de sua e pela qual – ulalá – transitam turistas chineses, ianques, argentinos, europeus, japoneses e angolanos, com óculos rayban e muitos cartões de crédito.

 

Assim, cicerone implacável, Leonardo de Magalhaens segue descrevendo BH, a cidade planejada, mas com um péssimo transporte público; a cidade projetada, mas concebida para separar e segregar; a cidade programada, mas que cresceu mais do que o previsto, porque o vaivém pode ser imprevisível.

 

Em “O estado e o governo”, nosso flâneur detona os conceitos de estado mínimo e estado máximo, porque quem exige estado mínimo, quer, na verdade, mercado máximo. E o povo quer apenas mais Estado: mais educação pública, saúde pública e transporte público.

 

Em “A pandemia”, ele advoga que a morte é igual para todos – mas pode não parecer igual para todo mundo. Os ricos, quando morrem, perdem privilégios. Já pobres, quando se vão, esperam encontrar tesouros no céu!

 

Em “Os poetas”, ele decreta sem constrangimento: muitos são criativos, poucos são originais. A poesia está para a música – com o que Baudelaire concordaria –, porém nem só de melopeia – do que Pound discordaria – vive o poema. No fundo, no fundo, os poetas querem é aparecer. Aparecer mais do que a Poesia – denuncia Magalhaens.

 

Em “O futuro”, ele é taxativo: já vivemos no país do futuro. Por isso, somos mais distópicos do que utópicos. Mais liberais do que socialistas. Mais integrados do que apocalípticos.

 

Estamos prontos – conclui ele – para o fim do mundo. Portanto, já podemos morrer – e decadentes – como os sumérios, os babilônicos, os assírios, os minoicos, os persas, os gregos, os romanos, os maias, os astecas, os incas, os mongóis, os chineses e os otomanos.

 

Mas morramos, de preferência, embriagados de poesia – como poetou Charles Baudelaire. Ou flanando pela cidade planejada, vil e desigual – como propõe Leonardo de Magalhaens.

 

 

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* Almir Zarfeg (poeta e jornalista) é presidente de honra da ATL.

 


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