Publicado em: 08/10/2022 Atualizado:: outubro 8, 2022
Por Almir Zarfeg
O novo livro de Ademar Bogo – “Parâmetro esquerdo” (Cousa, 2022) – é um convite à fruição poética e à reflexão política ao mesmo tempo. Enfim, é o que podemos classificar de poesia engajada e crítica. Mesmo porque a preocupação social permeia as obras de Bogo em verso e prosa. Isso fica explicitado nos livros “Moral da História” (Appris, 2020) e “Caminho do tempo” (Cousa, 2021) de proesia, por exemplo, que já li e resenhei.
Em “Parâmetro esquerdo”, Bogo reúne 52 poemas produzidos nestes tempos marcados pela pandemia do coronavírus e pelo caos político e negacionista. O poeta junta a expressividade artística com a reflexão política, para capturar vírus e verme e, em seguida, denunciá-los como cúmplices da tragédia e inimigos da vida.
Os leitores mais atentos vão observar que dois conceitos interessantes podem ser identificados nas entrelinhas desta coletânea de poemas: poiésis e práxis.
Poiésis, que remete ao bom e velho Aristóteles, diz respeito à fruição estética oferecida aos leitores que, se de um lado, não prioriza a experimentação formal e muito menos a elaboração metafórica; do outro lado, contudo, conquista a atenção de todos com uma linguagem coloquial e enxuta (quase denotativa), conduzindo-os à triste realidade desses tempos bicudos em que conjugar o verbo sobreviver nunca foi tão necessário e urgente. Infelizmente, milhares de vidas foram ceifadas pelo caos e pelo descaso, sem direito sequer à sobrevivência.
Por sua vez, práxis – conceito que não pode ser confundido com a noção de prática – aparece em “Parâmetro esquerdo” através das reflexões propostas pelos poemas, do chamamento à conscientização, da convocação de todos e todas para a (re)ação à miséria e ao abandono promovidos pelo desgoverno antidemocrático e assassino.
Pois é, o poeta está sugerindo isto: leitura, interpretação e transformação da realidade. Isso mesmo, à maneira dos dois barbudos muito odiados pela desinformação: Marx e Freire. Dois autores, aliás, que foram declarados “personӕ non gratӕ” pelo chefe da “famiglia”, seus parentes e aderentes.
A fusão de poiésis e práxis pinta de vermelho o pano de fundo sobre o qual se desenrola e se apresenta “Parâmetro esquerdo” (também título do 1º poema da coletânea). Mais à esquerda do que à direita, “A nova ordem”, “A pergunta”, “Criatura e criador”, “Diário”, “Interrogações”, “Mesmice”, “Nada pode dar errado”, “O golpe mortal”, “O grande genocida” e tantos outros textos não deixam dúvida de que Ademar Bogo é um poeta de esquerda.
Um poeta de esquerda, graças a Deus, que neste momento de desesperança extrema, polarização irracional, descaso socioambiental e desdém pela dignidade humana é capaz de dizer as coisas que muitos gostariam de gritar por aí e não o fazem por receio ou conformismo. Ele ainda o faz com jeito e arte, com a cara e a coragem.
Quem mais, senão o poeta engajado, é capaz de decretar a morte do grande genocida e, além do mais, compor seu epitáfio? “Maldito seja por todas as gerações / por ter-nos sonegado o direito à vacina.”
Quem mais, senão o poeta militante, é capaz de imprimir na memória dos seus conterrâneos a mais terrível das imprecações? “Será grande na morte / e minúsculo na vida.”
Cantemos aqui e agora, pois, o engajamento boguiano na esperança por dias melhores, na luta por justiça social e na vitória dos bons contra os maus. Mas lamentemos o descuido do editor pela revisão e, também, pela inclusão da 2ª parte do livro, composta por cordéis que poderiam ser mais bem aproveitados numa outra obra.
…………………………………..
Almir Zarfeg, poeta e jornalista, é presidente de honra da Academia Teixeirense de Letras (ATL).