Publicado em: 09/11/2022 Atualizado:: novembro 9, 2022
Por Almir Zarfeg
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“Seletas Caravelenses”, obra mais recente de José de Almeida Oliveira, é uma aula completa da história de Caravelas, também conhecida como a “Princesa dos Abrolhos”. Nela os leitores vão encontrar lições da história, da política, da economia e, também, da cultura caravelenses. O título é uma referência às famosas “Seletas gregas” ou “Seletas latinas”, a saber, coletâneas de textos clássicos.
O livro reúne 60 textos publicados originalmente no jornal “A Folha de Caravelas”. Trata-se de artigos que transitam a crônica e o editorial, enfim, publicações que carregam a marca da espontaneidade e leveza do jornalismo. Essa impressão fica mais patente nas análises de cunho político, mas que, com o passar dos anos, perderam a novidade do momento em que foram publicadas. São textos datados, por assim dizer.
Por outro lado, os artigos com pegada de “jornalismo cultural” ainda guardam algum frescor e conseguem despertar o interesse nos leitores atuais. Primeiro, porque as análises são relevantes e feitas por quem tem conhecimento de causa. Em segundo lugar, a obra traz informações preciosas sobre Caravelas – abarcando não somente a dimensão política, mas também uma pluralidade sociocultural. Por fim, mas não menos importante, José de Almeida Oliveira não pensa duas vezes em apontar os culpados pela decadência em que se encontra a “princesinha” – o descaso de políticos aproveitadores e forasteiros que, infelizmente, contaram (e contam) com a conivência de muitos nativos.
Através da leitura dos textos, os leitores ficam sabendo que, entre outras coisas, Caravelas já teve quatro jornais impressos: “O Pirilampo”, “O Atlântico”, “O Sul-Bahiano” – esse contava com Firmino Pereira como chefe de redação – e “O Caravalense”. Os informativos encerraram suas atividades no início do século XX por razões políticas e financeiras.
Vocês se lembram do notável piloto e escritor francês Saint Éxupery? Pois é, já esteve em Caravelas. Autor de obras mundialmente conhecidas, como “Voo Noturno”, “A Terra dos Homens” e “O Pequeno Príncipe”, ele foi piloto da Companhia Latecoere de Toulouse que, durante os anos 20/30, estabeleceu um ponto de apoio em Caravelas. O campo de pouso, em terra batida e gramada, ficava exatamente no KM 14 da Estrada de Ferro Bahia e Minas (EFBM).
Outra revelação interessante do livro é que, entre meados do século XIX e inícios do século XX, Caravelas foi cenário de intensa pesca da baleia cujo óleo, fabricado em tachos de ferro sob intenso fogo, era exportado para outras regiões e/ou países. A pesca e as atividades agrícolas constituíam a base da economia caravelense naquela época. A captura dos cetáceos, através de embarcações denominadas “baleeiras”, era um espetáculo emocionante e temeroso à parte.
Caravelas foi também um polo cultural na região e no estado, sobretudo a partir da segunda metade do século XIX, com seu nome causando sensação dentro e fora do país. E não era para menos: a cidade dispunha do majestoso Theatro – com similar apenas em Ouro Pre-to/MG –, duas filarmônicas que abrilhantavam as festividades – Guarani e Euterpe – e o Grupo Dramático criado por Joaquim Moreira que atraiu a atenção de ninguém menos que a atriz italiana Lina Garabelli, que, em passagem pela cidade como integrante duma trupe teatral, ficou tão empolgada com o que viu, que acabou permanecendo de vez. A beleza dela inspirou ao poeta e jornalista Firmino Pereira o soneto “Emoção”.
Mas a Princesa dos Abrolhos não fez bonito apenas na cultura naqueles tempos áureos. Ela se destacou também como polo socioeconômico, impulsionando o desenvolvimento local e regional, irradiado do distrito/sede e da Barra de Caravelas – interligados por uma trilha de terra com cerca de 07 km de extensão ou por um rio, vencido por canoa ou barco a vela. A Barra alcançou o apogeu econômico com a pesca da baleia que, por sua vez, motivou a construção de muitas residências, dando origem a um próspero povoado. Depois tudo foi tragado pela preamar, inclusive a majestosa igreja construída pelos jesuítas. Outro momento importante coincide com a chegada da Estação Central da Estrada de Ferro Bahia/Minas a Ponta de Areia, na virada do século XIX para o século XX, ligando Caravelas e Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri. Graças à presença do trem e à exportação da madeira extraída da mata atlântica, o município de Caravelas viveu a pujança econômica, com a circulação de dinheiro, aumento do poder aquisitivo e florescimento do comércio. Esse boom durou até a desativação da ferrovia em 1966.
Ainda sobre os altos e baixos da economia local – que passou pelos ciclos da agricultura (especialmente com a produção do café), da pesca da baleia, do progresso ferroviário (com a EFBM), da extração da madeira da mata atlântica e da tal vocação turística (jamais executada) –, façamos uma menção rápida da Colônia Leopoldina (Helvécia), que durante décadas foi palco das culturas da cana-de-açúcar e café. Um café muito apreciado pelos consumidores europeus. A propósito, Helvécia se firmou como um dos primeiros núcleos da colonização europeia no Brasil. Com a abolição da escravatura e a consequente falta de mão de obra, o empreendimento foi à falência.
Se não bastassem tantas informações, os textos assinados por José de Almeida Oliveira estão repletos de referências clássicas. Ao se deparar com expressões adaptadas como – “Delenda Caravelas”, “Quo vadimus, caravelenses?”, “A César o que é de César, aos distritos o que é dos distritos”, “Nom omne quod licet honestum”, “A praça é do povo como o céu é do condor” e “Summum jus, summa injuria” –, os leitores não devem se assustar, mas prestar muita atenção e aprender sempre.
Porque estas seletas são verdadeiras lições de história, de opinião política e exercício intelectual e cívico da cidadania, de maneira que não temos escapatória senão pedir (implorar mesmo) ao autor caravelense que continue escrevendo e publicando seus escritos tão fundamentais para a compreensão não só de Caravelas, mas também de toda esta região. Afinal, Caravelas é a Terra Mater de todos nós.
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Almir Zarfeg é presidente de honra da Academia Teixeirense de Letras (ATL).