Publicado em: 01/01/2023 Atualizado:: janeiro 1, 2023
Morreu na madrugada deste domingo (1/1) a professora emérita da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Magda Becker Soares, uma das idealizadoras da Faculdade de Educação da universidade, a FaE, e do Centro de Estudos sobre Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale), criado por ela em 1990. Aos 90 anos, ela estava aposentada da UFMG desde 2000, mas seu trabalho com a educação nunca parou – sempre se manteve ativa. A causa da morte e os detalhes sobre velório não foram informados.
Educadora e pesquisadora, doutora em Educação e graduada em Letras, assina uma longa lista de livros. São 12 publicações, especialmente livros didáticos de Língua Portuguesa, muito usados dos anos 1970 a 1990.
A dimensão do que Magda representa para a alfabetização infantil brasileira é inegável. Era legatária do pensamento de Paulo Freire, de quem foi amiga. “Considero que trabalho com os mesmos pressupostos e os mesmos ideais que ele, com a mesma utopia”, disse ela certa vez, em entrevista à revista Pesquisa Fapesp, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. “Não considero que a principal contribuição de Paulo Freire é um método de alfabetização. A grande contribuição que ele deu foi a visão política da alfabetização e da luta contra o analfabetismo”, afirmou.
Em 2013, a Revista Diversa, publicação da UFMG, traçou um perfil de Magda. Depois de deixar a universidade, como relato no texto, foi em Lagoa Santa, cidade na Grande BH que frequentava desde que nasceu, que continuou sua jornada. Atuou como consultora da rede municipal de educação e coordenou projetos importantes, como o Núcleo de Alfabetização e Letramento. Trabalhos que contribuíram, inclusive, para o aumento significativo do desempenho no município no Ideb. Em Lagoa Santa, ainda, criou bibliotecas, uma em cada escola. “Diziam que não tinha espaço, eu sugeria trocar a função de uma sala, fazer um puxadinho”, contou, ela que era dona de uma carreira regida, entre outros ideais, pelo de socializar o conhecimento. “Desde pequena, gosto de pegar, cheirar os livros”, dizia.
Voltando um pouco na trajetória de Magda, a revista lembrou que, na época do vestibular, ela estava decidida a seguir as ciências exatas, por influência do pai, que foi professor de física da UFMG, mas as aulas de português da professora Angela Leão, no Instituto Izabela Hendrix, onde Magda fez todo o percurso básico de ensino, a levariam para a área de línguas e literatura.
Não pretendia ser professora, mas acabou fazendo a pós-graduação em educação, e encontrou na pedagogia a ponte necessária entre o estudo da língua e a formação do professor de língua. Outra correção de rota: contrariando a licenciatura dirigida ao segundo segmento do ensino fundamental, ela optou por estudar a aprendizagem da língua escrita nas primeiras séries.
Nos anos 1970, convenceu-se de que a escola não tratava a todos de maneira igual. “Ali começamos a pesquisar com base na convicção de que a escola reproduz a discriminação social, e é assim até hoje.” Não por acaso, um livro que escreveu na década de 1980 (Linguagem e escola: uma perspectiva social) continua sendo procurado. “Acredito ainda na possibilidade de a escola lutar contra a desigualdade”.
A coragem de assumir posições de vanguarda marca a trajetória de Magda Soares em outros momentos e aspectos. “Traduziu ela mesma autores ingleses e franceses que considerava essenciais, acolheu mulheres grávidas ou em dificuldades durante a ditadura, foi feminista e aderiu ao PT na primeira hora”, enumera Eliane Marta Teixeira Lopes, ex-aluna, ex-colega na FaE e amiga de longa data. Como professora e pesquisadora, Magda sempre encantou Eliane pela maneira aberta de encarar o conhecimento e pela facilidade de identificar relações onde aparentemente não existem, sempre inovadora e relevante, nas palavras de Eliane.
A forma como Magda tratava suas missões foi o que sempre impressionou Paulo Sergio Soares Guimarães, professor do Instituto de Ciências Exatas da UFMG. “Herdei dela a obsessão por não procrastinar os compromissos. Sempre trabalhou nos finais de semana, e era muito comum encontrá-la no escritório já às 4 da madrugada. Preferia a paz desse horário”, rememora Paulo Sérgio que, mesmo conhecendo a determinação da mãe, confessa que se surpreendeu com a fluência de sua adaptação ao ambiente digital. A presença de computadores e outros equipamentos em meio a tantos livros e papéis reforça o depoimento.
A adoção sem sustos das formas novas de escrever e se comunicar tem a ver talvez com uma característica que a incomodava. “Sou exageradamente perfeccionista, talvez porque seja virginiana, ou porque fui educada na religião protestante metodista, de meus ascendentes alemães (os bisavós maternos imigraram para construir a Estrada União Indústria, no Rio de Janeiro). O lema repetido diariamente na escola era ‘Conhece o dever e cumpre-o’. Digo que sou permanentemente ‘ocupada e incumbida’, e isso pesa, porque nunca estou plenamente satisfeita. Mais ainda: estou sempre atenta para o que pode ser meu dever, o que significa que vejo deveres onde não seria necessário.”
Magda abandonou a religião metodista, e foi atraída por uma linha espiritual de influência oriental. Premiada e sempre homenageada, dizia que era feliz. “Gosto de viver, por isso me mantenho ativa.”
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Fonte: Estado de Minas